sábado, 30 de maio de 2009

Feche os olhos para ver



“Hyakujo saiu um dia de casa acompanhando seu mestre Bashô e os dois deram com um bando de gansos selvagens. Bashô perguntou:
- Que é isso?
- São gansos selvagens, Senhor.
- Pra onde voam?
- Voaram, Senhor.
Repentinamente, Bashô segurou Hyakujo pelo nariz e fê-lo dar uma volta. Hyakujo, dominado pela dor, gritou: Oh! Oh!
- Disseste que voaram - disse Bashô - Mas, apesar disso, desde o princípio, eles todos estavam aqui.
Nisso, escorreu o suor das costas de Hyakujo. Era o Satori.” ¹


Para os zen-budistas satori significa a abertura do “terceiro olho”. Literalmente, em japonês, o significado da palavra é entendimento. Rubem Alves discorre sobre essa experiência, dando um sentido menos místico e mais poético, no que ele chama de “A complicada arte de ver”. O apóstolo Paulo, quando ainda Saulo, precisou perder a visão para aprender a ver utilizando os olhos do coração, para quando, recuperada a visão, pudesse utilizar os olhos como ferramenta de reflexão.

O Olho de Tandera... penso que esse seja o melhor exemplo, o mais inteligível, o qual remete-nos a um tempo que deveriam ter nos ensinado a ver, pois a sinceridade era algo completamente natural. Na espada justiceira, havia um elemento que dava a um líder a visão além do alcance, a capacidade de ver/perceber todos os fatos que teciam determinada circunstância.

Hyakujo precisou sentir dor para aprender a refletir. Talvez seja esse o problema: sentir dor. É impossível experimentar tal sensação. Não temos tempo para isso e, além do mais, o antídoto é mais um dos exercícios da nossa fênix capitalista. Definitivamente, querem banir este sintoma do nosso cotidiano mediante um bombardeio silencioso e invisível aos nossos radares.

O fato é que nesse “ensaio sobre a cegueira” no qual vivemos, enquanto tateamos o caminho, cegos bem treinados roubam nosso alimento e nos forçam a viver sob seu jugo. Mas, mesmo cegos, abrir um terceiro olho, o olho do coração, o qual nos dá a capacidade de ver além do alcance, com olhos de poeta, é possível.


1. O caminho Zen, de Eugen Herrigel

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